terça-feira, 8 de setembro de 2009

Crítica de Antônio Hohlfeldt

A temporada de "O Avarento" no Teatro de Câmara Túlio Piva em Porto Alegre chegou a seu final. Diversas impressões e comentários foram publicados, como a crítica de Antônio Hohlfeldt no Jornal do Comércio (04.09.2009), abaixo:


Molière, para quem gosta mesmo de teatro

Há espetáculos a que se assiste por obrigação profissional. Há outros que, pelo contrário, sem a obrigação profissional, a gente gostaria de ver muitas vezes. Porque estes, que não são burocráticos, como que pegam a gente pela mão e nos tomam de assalto, num só fôlego. Foi o caso de O Avarento, conhecido texto de Jean-Baptiste Poquelin, o Molière, sob a direção de Gilberto Fonseca. Quantas vezes já assisti a esta obra? Muitas. Cada uma com suas características. Mas a criatividade de Gilberto Fonseca e sua equipe, com destaque para Marcos Chaves, é das melhores coisas a que já assisti em muitos anos de trabalho.

Da adaptação do texto à concepção do espetáculo, a escolha do elenco, a performance absolutamente admirável da composição musical por toda a equipe, afinada e em diferentes vozes e tonalidades...quem diria que esse é um grupo gaúcho de teatro? Porque, tenho escrito muitas vezes aqui, um dos problemas de nossos atores e atrizes é que eles não sabem cantar. Melhor, não sabem nem entonar. Por aqui, graças à Santa Paciência do Marcos Chaves, eles não só entonam quanto cantam e em muitas vozes! Marcos e Gilberto transformaram a ópera-ballet, forma tradicional de Molière, que incluía bailados na abertura, passagem de atos e finalização, numa constante incidência musical engraçada, inteligente e admirável!

E o figurino? O cuidado e o primor no acabamento, de Daniel Lion, mais o cuidadoso e bonito cenário do próprio diretor e de Lucas Krug, além da maquiagem e dos cabelos desenvolvidos por Elison Couto, tudo garantiu um trabalho bem acabado, de bom gosto, de carinho com o teatro, o texto e o espetáculo, que a gente tem enorme gosto em assistir.

Elison Couto, como o avarento Arpagão é perfeito, uma de suas grandes criações. Diane Oliveira como a jovem Elisa, e Ariane Guerra, como Mariane, estão dentro de seus papéis; do mesmo modo, Marcos Chaves, como Cleanto, o filho de Arpagão, que fica hilário quando perde a cabeleira; e Lucas Krug, como Valério, o pretenso criado depois revelado um nobre, completam o quarteto amoroso; João Madureira, vivendo La Fleche e depois o sr. Anselmo, está engraçado, enquanto Zé Mário Storino, como o triplo cozinheiro, cavalariço e copeiro é impagável. Mas quem bota no capote todos eles é Lúcia Bendati, que, mesmo em tempo de luto, profissionalmente manteve a força da alcoviteira Frosina, com desenvoltura, num de seus grandes momentos.

Em suma, a gente morre de rir, acompanhando as peripécias dos personagens. Divide-se entre a raiva pela avareza de Arpagão e o hilariante da situação, mas, sobretudo, admira e respeita o belo investimento que o grupo fez neste projeto, já que mais dois espetáculos estão planejados para um futuro imediato, evidenciando um trabalho de fôlego e de consequência.

Até aqui, não titubeio em dizer que se trata, dentro de sua proposta, no melhor espetáculo do ano, sobretudo porque, ao ser um clássico, apresenta uma dificuldade a mais que, justamente, é o grande mérito desta produção: ser fiel ao original sem lhe ser repetitivo. Tudo isso o Grupo Farsa alcançou, para deleite de todos nós, merecendo, por isso mesmo, o trabalho, a excelente recepção do público, que tem acorrido ao teatro e tem prodigalizado palmas, como os atores pedem, na melhor tradição do teatro clássico, ao espetáculo.

Mais do que merecidos os patrocínios alcançados. Mas quem quiser assistir ao espetáculo, apure-se. A temporada termina neste final de semana, no Teatro de Câmara. Corra, porque é trabalho imperdível, mesmo.

Antônio Hohlfeldt

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